quinta-feira, 23 de julho de 2020

O Príncipe - Maquiavel

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A escolha dos ministros por um príncipe não tem pouca importância: os ministros serão bons ou maus, de acordo com a prudência que o príncipe demonstrar. A primeira impressão que se tem de um governante, e da sua inteligência, é dada pelos homens que o cercam. Quando estes são competentes e leais, pode-se sempre considerar o príncipe sábio, pois foi capaz de reconhecer a capacidade e de manter a fidelidade. Mas quando a situação é oposta, pode-se sempre fazer dele juízo desfavorável, porque seu primeiro erro terá sido cometido ao escolher os assessores.
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Há três tipos diferentes de mente: um compreende as coisas sem ajuda; o segundo compreende as coisas demonstradas por outrem; o terceiro, nada consegue compreender, nem só, nem com a assistência dos outros. A primeira espécie é a mais excelente; a segunda é também muito boa, mas a terceira é inútil.

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O príncipe prudente tomará, portanto, um terceiro caminho, escolhendo como conselheiros homens de sabedoria, e dando-lhes inteira liberdade para falar a verdade, mas só quando interrogados, e apenas sobre o que lhes for perguntado. O príncipe pedirá sua opinião sobre tudo, deliberando depois sozinho, do seu próprio modo, conduzindo-se diante das assembleias de conselheiros, e com cada um deles, de modo tal que todos vejam que quanto maior a liberdade com que se fale, maior aceitação se terá. Mas o príncipe não ouvirá ninguém mais; agirá com deliberação, mantendo determinadamente suas decisões. Quem fizer outra coisa ou agirá precipitadamente, devido aos aduladores, ou mudará muitas vezes de posição, por causa da variedade das opiniões ouvidas - e em qualquer caso será pouco respeitado.

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Não ignoro a opinião antiga e muito difundida de que o que o que acontece no mundo é decidido por Deus e pelo acaso; que a prudência dos homens não pode alterar os acontecimentos; que, ao contrário, não há como remediar as coisas. Talvez por isso se pense ser inútil trabalhar muito: será melhor deixar que o acaso decida. Essa opinião é muito aceita em nossos dias, devido às grandes transformações ocorridas, e que ocorrem diariamente, as quais escapam à conjectura humana. Quando reflito sobre ela, às vezes eu próprio me inclino a aceitá-la em parte.
Não obstante , para não ignorar inteiramente nosso livre arbítrio, creio que se pode aceitar que a sorte decide a metade dos nossos atos, mas que nos permite controle sobre a outra metade, aproximadamente. Compararia a sorte a um rio impetuoso que, quando turbulento, inunda a planície, derruba casas e edifícios, remove terra de um lugar para depositá-la em outro. Todos fogem diante da sua fúria, tudo cede sem poder detê-la. Contudo, embora tal seja sua natureza, quando as águas correm quietamente é possível construir defesas contra elas, diques e barragens, de modo que , quando voltem a crescer, sejam desviadas por um canal, para que seu ímpeto seja menos selvagem e maléfico.
O mesmo acontece com a sorte, que mostra todo o seu poder quando nenhuma providência foi tomada para resisti-la, dirigindo então sua fúria contra os pontos onde sabe que não há dique ou barragem que a detenha.
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Restringindo-me contudo a casos mais específicos, observarei que o mesmo príncipe pode um dia ser bafejado pela boa sorte, e no dia seguinte estar arruinado, sem que aparentemente tenha mudado de caráter, ou sob qualquer outro aspecto. Creio que isto se deve em primeiro lugar às razões que já discutimos amplamente: isto é, o príncipe que baseia seu poder inteiramente na sorte se arruína quando esta muda. Acredito também que é feliz quem age de acordo com as necessidades do seu tempo, e da mesma forma é infeliz quem age opondo-se ao que o seu tempo exige.
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Vê-se às vezes dois homens prudentes, dos quais um só alcança seus objetivos; dois outros que têm igual êxito usando métodos diferentes - um deles cauteloso, ou outro impetuoso -, o que é provocado pela natureza dos tempos, que se ajusta ou não aos seus procedimentos. Disso resulta que duas pessoas, agindo de forma diversa, obtêm o mesmo efeito; o que entre duas outras, agindo da mesma forma, uma só alcança êxito.

Maquiavel, Nicolau, O Príncipe, Editora Universidade de Brasília.

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