Trechos selecionados
Quanto a Castel, no dia em que veio anunciar a Rieux que o soro estava pronto e depois de terem decidido fazer a primeira experiência no garoto do Sr. Othon, que acabavam de remover para o hospital e cujo caso parecia desesperador a Rieux, este comunicava ao velho amigo as últimas estatísticas quando reparou que seu interlocutor adormecera profundamente na cadeira. E, diante desse rosto em que habitualmente um ar de ternura e de ironia punha uma perpétua juventude e que agora, subitamente abandonado, com um filete de saliva a unir-lhe os lábios entreabertos, deixava ver os estragos e a velhice, Rieux sentiu um aperto na garganta.
Era por tais fraquezas que Rieux podia julgar o seu cansaço. A sensibilidade lhe fugia. Amarrada a maior parte do tempo, endurecida e seca, irrompia de vez em quando e abandonava-o a emoções que já não conseguia dominar. Sua única defesa era refugiar-se nesse endurecimento e apertar o nó que nele se formara. Sabia efetivamente que essa era a melhor maneira de continuar. Quanto ao resto, não tinha muitas ilusões e o seu cansaço tirava-lhe as que ainda conservava. Porque sabia que, durante um período cujo término não conseguia vislumbrar, o seu papel já não era o de curar. O seu papel era diagnosticar. Descobrir, ver, descrever, registrar, depois condenar, essa era a sua tarefa. Esposas agarravam-lhe as mãos e gritavam: "Doutor, dê-lhe a vida!" Mas ele não estava ali para dar vida, estava ali para ordenar o isolamento. De que servia o ódio que lia, então, nas fisionomias? "O senhor não tem coração", tinham-lhe dito um dia. Sim, ele tinha um coração. Servia-lhe para suportar as vinte horas por dia em que via morrer homens que haviam sido feitos para viver. Servia-lhe para recomeçar todos os dias. De agora em diante, o coração mal dava para isso. Como esse coração seria suficiente para dar vida?
Não, não eram socorros que ele distribuía durante todo o dia, e sim informações. (...) Antes da peste, recebiam-no como um salvador. Ele ia consertar tudo com três pílulas e uma seringa, e apertavam-lhe o braço ao conduzi-lo pelos corredores. Era lisonjeiro, mas perigoso. Agora, pelo contrário, apresentava-se acompanhado de soldados, era necessário dar coronhadas para que a família se decidisse a abrir a porta. Teriam desejado arrastá-lo e arrastar toda a humanidade com eles para a morte.
(...) Mas o efeito mais perigoso do esgotamento que vencia, pouco a pouco, todos os que continuavam a luta contra o flagelo não estava nessa indiferença aos acontecimentos exteriores e às emoções dos outros, e sim na negligência a que haviam chegado. Porque tinham então tendência a evitar todos os gestos que não fossem absolutamente indispensáveis e que lhes pareciam sempre acima das suas forças. Foi assim que esses homens chegaram a desprezar cada vez mais as regras de higiene que tinham codificado, a esquecer algumas das desinfecções que deviam praticar contra o contágio, para junto de doentes atacados de peste pulmonar, porque, alertados no último momento de que deviam dirigir-se a casas infectadas, tinha-lhes parecido de antemão exaustivo voltarem a qualquer local para fazerem as instilações necessárias. Nisso residia o verdadeiro perigo, pois era a própria luta contra a peste que os tornava então mais vulneráveis à peste. Apostavam, em suma, no acaso e o caso não pertence a ninguém.