“[a amizade é] sumamente necessária a vida. Porque sem amigos ninguém escolheria viver, ainda que possuísse todos os outros bens. E acredita-se, mesmo, que os ricos e aqueles que exercem autoridade e poder são os que mais precisam de amigos; pois de que serve tanta prosperidade sem um ensejo de fazer bem, se este se faz principalmente e sob a forma mais louvável aos amigos? Ou como se pode manter e salvaguardar a prosperidade sem amigos? Quanto maior é ela, mais perigos corre.
Por outro lado, na pobreza e nos demais infortúnios os homens pensam que os amigos são o seu único refúgio. A amizade também ajuda os jovens afastar-se do erro, e aos mais velhos, atendendo-lhes às necessidades e suprindo as atividades que declinam por efeito dos anos. Aos que estão no vigor da idade ela estimula à prática de nobres ações, pois na companhia de amigos – dois que andam juntos – os homens são mais capazes tanto de agir como de pensar.
(...) Não é ela, contudo, apenas necessária, mas também nobre, porquanto louvamos os que amam os seus amigos e considera-se uma bela coisa ter muitos deles. E pensamos, por outro lado, que as mesmas pessoas são homens bons e amigos.
Ora, certos pontos atinentes à amizade são matéria de debate. Alguns a definem como uma espécie de afinidade e dizem que as pessoas semelhantes são amigas, donde os aforismos “igual com igual”, “cada ovelha com sua parelha”, etc.; outros, pelo contrário, dizem que “dois do mesmo ofício nunca estão de acordo”. E investigam esta questão buscando causas mais profundas e mais físicas, dizendo Eurípedes que “a terra resseca ama a chuva, e o majestoso céu, quando prenhe de chuva, adora cair sobre a terra”, e Heráclito: “o que se opõe é que ajuda” e “de notas diferentes nasce a melodia mais bela”, e ainda: “todas as coisas são geradas pela luta”; ao passo que Empédocles, juntamente com outros, exprime a opinião contrária de que o semelhante busca o semelhante.
(...) Existem três espécies de amizade, como dissemos no começo de nossa investigação, e com respeito a cada uma delas alguns são amigos em termos de igualdade e outros em virtude de uma superioridade (pois não só homens igualmente bons podem tornar-se amigos, mas um homem melhor pode fazer amizade com outro pior, e também nas amizades eu se baseiam no prazer ou na utilidade os amigos podem ser iguais ou desiguais quanto aos benefícios que conferem).
(...) Também se discute sobre se o homem feliz necessita ou não de amigos. Diz-se que os que são sumamente felizes e autossuficientes não precisam deles, pois tais pessoas possuem tudo que é bom e, autossuficientes como são, dispensam o resto; enquanto um amigo, que é um outro “eu”, provê o que um homem não pode conseguir pelos seus próprios esforços. Daí as palavras: “quando a fortuna nos sorri, para que precisamos de amigos?”
Mas parece estranho, quando se atribui tudo o que é bom ao homem feliz, recusar-lhe amigos, que são considerados os maiores bens exteriores. E, se é mais próprio de um amigo fazer bem a outrem do que ser beneficiado, e se dispensar benefícios é característico do homem bom e da virtude, e é mais nobre fazer bem a amigos do que a estranhos, o homem bom necessitará de pessoas a quem possa fazer bem. E por esta razão se pergunta se necessitamos mais de amigos na prosperidade ou na adversidade, subentendendo que não só um homem na adversidade precisa de quem lhe confira benefícios, mas também os prósperos necessitam ter a quem fazer bem.
Não menos estranho seria fazer do homem sumamente feliz um solitário, pois ninguém escolheria a posse do mundo inteiro sob a condição de viver só, já que o homem é um ser político e está em sua natureza o viver em sociedade.
(...) Em conclusão, a presença de amigos parece ser desejável em todas as circunstâncias.
Trechos selecionados de Ética a Nicômaco, de Aristóteles.
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