A filosofia é um modo de pensar, é uma postura diante do mundo. Ela não é um conjunto de conhecimentos prontos, um sistema acabado, fechado em si mesmo. Ela é, antes de mais nada, um modo de se colocar diante da realidade, procurando refletir sobre os acontecimentos a partir de certas posições teóricas. Essa reflexão permite ir além da pura aparência dos fenômenos, em busca de suas raízes e de sua contextualização em um horizonte amplo, que abrange os valores sociais, históricos, econômicos, políticos, éticos e estéticos. Por essa razão, ela pode se voltar para qualquer objeto. Pode pensar sobre a ciência, seus valores, seus métodos, seus mitos; pode pensar a respeito da religião; pode pensar sober a arte; pode pensar acerca do próprio ser humano em sua vida cotidiana. Uma história em quadrinhos ou uma canção popular também podem ser objeto da reflexão filosófica.
A filosofia é um jogo irreverente que parte do que existe, critica, coloca em dúvida, faz perguntas importuna, abre as portas das possibilidades, faz-nos entrever outros mundo e outros modos de compreender a vida.
A filosofia incomoda porque questiona o modo de ser das pessoas, das culturas, do mundo. Questiona as práticas política, científica, técnica, ética, econômica, cultural e artística. Não há área em que ela não se meta, não indague, não perturbe. E, nesse sentido, a filosofia é perigosa, subversiva, pois vira a ordem estabelecida de cabeça para baixo.
Essa subversão da ordem, entretanto, não é feita gratuitamente, não é um quebrar regras e costumes simplesmente por quebrar. A maior parte dos filósofos subverteu a ordem porque, ao indagar sobre a realidade de sua época, fez surgir novas possibildiades de comportamento e de relação social. Do ponto de vista da ordem estabelecida, isto é, das instituições e da ideologia dominante, eles destruíram uma tradição. Do ponto de vista da história, eles nos fizeram ver injustiças, arbitrariedades, estratagemas de dominação e de exploração.
Se o patriarcalismo, como ordem divina da criação, por exemplo, não tivesse sido colocado em dúvida por pensadores de ambos os sexos e por pessoas engajadas no movimento em prol da igualdade de homens e mulheres em termos de capacidade intelectual e moral, estas, ou seja, mais de 50% da população mundial, ainda hoje não seria considerada cidadã nem teria direito de votar e ser votada.
(...)
Quando a filosofia surgiu, entre os gregos, no século VI a.C, ela englobava tanto a indagação filosófica propriamente dita quanto o que hoje chamamos de conhecimento científico. O filósofo teorizava sobre todos os assuntos, procurando responder ao porquê das coisas. É por isso que os filósofos Tales e Pitágoras e depois o matemático Euclides (de Alexandria) dedicaram-se também ao estudo da gemometria. Aristóteles, por sua vez, debruçou-se sobre problemas físicos e astronômicos, porque estes interessavam à cultura e à sociedade de sua época.
Foi a partir do século XVII, com Galileu Galilei e o aperfeiçoamento do método científico, fundado na observação, experimentação e matematização dos resultados, que a ciência começou a se constituir como forma específica de abordagem do real e a se destacar da filosofia. Apareceram, pouco a pouco, as ciências particulares, que investigam a realidade sob pontos de vista específicos: à física interessam os movimentos dos corpos; à biologia, a natureza dos seres vivos; à química, as transformações das substâncias; à psicologia, os mecanismos do funcionamento da mente humana; à sociologia, a organização social etc.
A partir de então, o conhecimento foi fragmentado entre as várias ciências, pois cada qual se ocupava somente de de uma pequena parte do real . As afirmações de cada uma elas são chamadas juízos de realidade, porque se referem aos fenômenos e pretendem mostrar como estes ocorrem e como se relacionam. De posse desses dados, torna-se possível prevê-los e controlá-los.
A filosofia trata dessa mesma realidade, mas, em vez de fragmentá-la em conhecimentos particulares, toma-a como totalidade de fenômenos, ou seja, considera a realidade a partir de uma visão de conjunto. Qualquer que seja o problema, a reflexão filosófica leva em conta cada um de seus aspectos, relacionando-o ao contexto dentro do qual ele se insere e restabelecendo a integridade do universo humano.
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Cabe ao filósofo refletir sobre o que é ciência, o que é metodo científico, sua validade e seus limites. A ciência é realmente um conhecimento objetivo? O que é a objetividade e até que ponto um sujeito histórico - o cientista - pode ser objetivo?
Cabe a ele refletir sobre a arte: o belo existe? É um critério para se determinar o que é a arte? Ou haverá outros valores estéticos mais adequados para esse julgmento? (...) Compete ao filósofo, também, refletir sobre a condição humana atual: O que é o ser humano? O que é liberdade? O que é trabalho?
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A filosofia quer encontrar o significado mais profundo dos fenômenos. Não basta saber como eles acontecem, mas o que significam na ordem geral do mundo humano. Ela também emite juízos de valor ao julgar cada fato, cada ação em relação ao todo. Ela também vai além daquilo que é, para propor o que poderia ser. É, portanto, indispensável para a vida de todos aqueles que desejam ser seres humanos completos, cidadãos livres e responsáveis por suas escolhas.
texto selecionado e retirado do livro Temas de Filosofia, de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helea Pires Martins (Editora Moderna, 2005)
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