"A humanidade se divide em duas: os senhores e os escravos; aqueles que têm o direito de mando, e os que nasceram para obedecer." Aristóteles, filósofo grego
(...) "A escravidão existiu desde o início da história da humanidade até o século XX, nas sociedades mais primitvias e também nas mais avançadas", escreveu o sociólogo e historiador jamaicano Orlando Patterson, um dos mais renomados especialistas no tema, professor da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. "Não há uma única região do planeta que em algum momento não tenha abrigado essa instituição. Provavelmente não existe hoje nenhum grupo de pessoas cujos ancestrais nunca tenham sido em algum momento escravos ou dono de escravos." Ainda segundo Patterson, a escravidão foi não apenas universal ao longo de toda a história humana como floresceu em lugares e períodos que o senso comum menos esperaria. "Na verdade, ela aumentou justamente em épocas e culturas que a moderna civilização ocidental considera hoje como divisoras de águas na história do seu desenvolvimento".
Estima-se que, por volta de 1800, ou seja, há apenas dois séculos, houvesse aproximadamente, 45 milhões de escravos em todo o mundo, ou 5% do total de seres humanos então existentes no planeta. Na Índia e na China, que já nauqela época detinham mais da metade da população mundial, cerca de 10% dos habitantes viviam em cativeiros. Esse era o total de pessoas que poderiam ser compradas e vendidas na época como mercadorias.
(...) A escravidão nem sempre foi ligada a uma raça ou uma cor de pele. Os historiadores William G. Clarence-Smith e David Eltis calculam que, até trezentos anso atrás, o total de escravos brancos, amarelos e indianos na Europa, no Oriente Médio e na Ásia era provavelmente muito superior ao número de africanos cativos transportados para a América pelo tráfico Atlântico. Só no final do sécullo XVII a população de escravos negros se tornou majoritária. Até então, pessoa de todas as cores, religiões, culturas e classes sociais, eram passíveis de serem escravizadas. Prova disso é a própria etimologia da palavra "escravo".
Escravo, em português, esclave, em francês; schiavo, em italiano; sklave, em alemão; ou slave, em inglês, são todas palavras derivadas do latim slavus, que, por sua vez, servia para designar os eslavos, nome genérico dos habitantes da região dos Bálcãs, Leste Europeu, sul da Rússia e margens do Mar Negro, grande fornecedora de mão de obra para o Oriente Médio o Mediterrâneo até o inicio do século XVIII. Ou seja, nesse caso, os escravos geralmente eram pessoas brancas, de cabelos loiros e olhos azuis.
(...)
Patterson também definiu a escravidão como uma "morte social", na qual o cativo é arrancado do seu lugar de moradia, de sua língua, suas crenaças, seus laços familiares e seus ancestrais, sua comunidade e seus costumes, uma espécie de desenraizamento, ou excomunhão da família e da sociedade originais. O resultado é a completa obliteração de sua identidade antiga para a construção de uma nova, dependente e condicionada pelo senhor. O escravo passa a não ter vontade própria. Sua nova existência dependeria por completo do poder de seu dono.
(...) Desse modo, "escravo" se converteu em sinônimo de "estrangeiro", ou de "o outro", aquele que não pertence ao grupo scoial que o domina. (...) Em resumo, segundo as palavras de Paul E. Lovejoy, "a escravidão era fundamentalmente uma maenira de negar ao forasteiro, ou estrangeiro, o outro, os direitos e privilégios de uma sociedade em particular, de modo que pudesse ser explorado com objetivos econômicos, políticos e sociais".
(...) A história da escravidão na América se distingue das formas mais antigas de cativeiro por duas características principais. A primeira é o regime de trabalho. No passado, os escravos eram usados em serviços domésticos; nas oficinas como marceneiros e ferreiros; na agricultura; nos navios; marchavam como guerreiros para defender as causas de seus senhores e, muitas vezes, chegavam a acupar altos cargos adminstrativos, como os de eunuco escriba ou tesoureiro real. Na Améria, também havia essa classe de ocupações, mas a escravidão se tornou sinônimo de trabalho intensivo em grandes plantações de cana-de-açucar, algodão, arroz, tabaco e, mais tarde, café. Escravos eram usados também na mineração de outro, prata e diamantes. Estavam, portanto, em condição equivalente à das máquinas agrícolas industriais de hoje, como os tratores, os arados, as colhedeiras e as plantadeiras nas modernas fazendas do interior do Brasil. Nos engenhos de açucar, trabalhavam em jornadas exaustivas, em turnos e regime de trabalho organizados de forma muito semelhante à linha de produção, que a partir do final do século XVIII, caracterizariam as fábricas da Revolução Industrial.
A segunda característica que diferencia a escravidão na América de todas as demais formas anteriores de cativeiro é o nascimento de uma ideologia racista, que passou a associar a cor da pele à condição de escravo. Segundo esse sistema de ideias, usado como justificativa para o comércio e a exploração do trablaho cativo africano, o negro seria naturalmente selvagem, bárbaro, preguiçoso, idólatra, de inteligência curta, canibal, promíscuo, "só podendo ascender à plena humanidade pelo aprendizado na servidão", explica o africanista brasileiro Alberto da Costa e Silva. Sua vocação natural seria, portanto, o cativeiro, onde viveria sob a tutela dos brancos, podendo, dessa forma, alçar eventualmente um novo e mais avançado estágio civilizatório.
As raízes da ideologia racista, que até hoje persiste entre nós, eram muitas - de natureza teológica, filosófica e, diversas vezes, resultante de observações pretensamente científicas, que se referiam não apenas às diferenças relacionadas à cor da pele, mas também a alguns traços anatômicos peculiares dos negros, como o formato dos olhos, da cabeça e do nariz.
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"A escravidão não nasceu do racismo; mas o racismo foi a consequência da escravidão", resumiu o historiador Eric Williams.
(trechos selecionados do livro Escravidão: Do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares, de Laurentino Gomes, GloboLivros).
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